segunda-feira, 30 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - - CHUVA DE PÉTALAS - PARTE 2

CONTINUAÇÃO

Na busca do tom político e evangelicamente correto, Chico aprovava as alterações. Algumas eram mínimas, quase imperceptíveis. Em "Homem da Terra ", também de Augusto dos Anjos, "células taradas  "deram lugar a   "células cansadas ".
Muitas vezes, em nome do espiritismo, Chico recorria a omissões e mentiras estratégicas. Ele mesmo admitia em conversa com os amigos:
- A verdade é um veneno. Nem Jesus Cristo quis defini-la.
Quando Pilatos lhe perguntou o que era a verdade, ele ficou em silêncio. Se formos falar a verdade na vida social, seremos considerados indesejáveis e loucos.
Chico preferia pegar a  "avenida do contorno ".     Diante de perguntas escorregadias, desviava com um "vamos estudar melhor a questão  ". Para escapar de críticas aos poderosos do país, apelava para a diplomacia:
- Eles estão tentando fazer o possível.
Como um embaixador do outro mundo no Brasil, Chico Xavier aprendeu a engolir em seco e a adiar a verdade. Era cauteloso, como bom mineiro.
Em 1955, saiu da defensiva e abriu a guarda para um rapaz de 23 anos, vindo de Monte Carmelo com a mãe. Seu nome: Waldo Vieira. Foi afinidade à primeira vista.
O rapaz mostrou a Chico um poema intitulado "Deus ", ditado a ele por um espírito anônimo. O autor do Parnaso de Além-Túmulo ficou abismado. Era um soneto alexandrino perfeito.
A surpresa cresceu após outra revelação. Waldo, com metade de sua idade, dizia receber mensagens de um espírito chamado André Luiz, homônimo do autor de Nosso Lar, mas com um currículo diferente. De repente, o próprio apareceu para os dois. Um olhou para o outro e perguntou:
Esse aí é o seu?
- É? Mas este aí é o meu.
André Luiz tinha apresentado históricos diferentes para os médiuns e foi desmascarado ali mesmo. Seu nome era, na verdade, um pseudônimo usado para encobrir sua verdadeira identidade: a do médico sanitarista Carlos Chagas (nunca admitida por Francisco Cândido Xavier). Um truque usado para evitar processos por direitos autorais como o movido pela família de Humberto de Campos.
Chico estava perplexo. E exultou com o currículo mediúnico do jovem de Monte Carmelo. Espírita desde os seis anos, quando seu pai fundou um centro, Waldo viu a primeira assombração de sua vida aos nove anos. Aos treze, começou a receber os primeiros textos do além. Com o tempo, tornou-se um dos líderes das Mocidades Espíritas. Era perfeito, bom demais para ser verdade. Chico previu a possibilidade de os dois trabalharem juntos. Só não adivinhou o que aconteceria após o dueto. Waldo se tornaria um dissidente, definiria o espiritismo como um  "estágio prématernal  ", faria pouco caso da mediunidade, "tão primária" ", e atacaria o ex companheiro com palavras duras.
Emmanuel, André Luiz, Bezerra de Menezes, ninguém o alertou na época. Chico, empolgado com a descoberta de uma nova promessa espírita, tratou de apresentar o jovem, em carta, ao presidente da Federação Espírita Brasileira, Wantuil de Freitas. Já em 1957, quando completava trinta anos de serviços prestados a servir de ponte entre este mundo e o outro, Chico defendeu o jovem:
- Apesar de moço ainda, revela-se um companheiro muito abnegado e senhor de um caráter honesto e limpo. Estudioso, amigo, trabalhador. Agora, meu caro Wantuil, que trinta anos consecutivos se passaram sobre minhas singelas atividades mediúnicas, tenho necessidade de sentir alguém comigo, a quem eu possa ir transmitindo recomendações de nossos Benfeitores Espirituais que eu não possa, de pronto, atender ou em cujas mãos possa deixar alguns deveres preciosos, na hipótese de qualquer necessidade.
Chico estava cansado. Um parceiro viria a calhar. Ainda faltavam três livros para ele honrar o compromisso assumido com Emmanuel e concluir a segunda série de trinta títulos. As sessões de Pedro Leopoldo eram exaustivas e, às vezes, terminavam muito mal. As mensagens de mortos a seus parentes, apesar de escassas e de dirigidas ao público espírita, causavam transtornos.
Companheiros de Chico, alguns deles interessados em fazer média com ricos e poderosos do Rio e de São Paulo, convidavam figurões para tentar a sorte em Pedro Leopoldo.
Quem sabe eles não receberiam recados do além de seus familiares? A maioria absoluta voltava para casa frustrada. Chico tentava explicar: não dependia dele, não era má vontade, ele não tinha poder para obrigar um morto a mandar recados para a Terra. E insistia:
- O telefone só toca de lá para cá.
Alguns dos inconformados sentiam vontade de bater aquele telefone imaginário na cara do pobretão ignorante. Resultado: Chico foi atacado quatro vezes com tapas no rosto por não conseguir atender aos pedidos.
A chegada de Waldo Vieira poderia aliviar tanto estresse.
Naquele ano, Chico viajou para Sacramento com o jovem e foi homenageado em uma festinha espírita. Entre os convidados estava um desconhecido de apenas dezesseis anos, bastante incomodado com as reverências prestadas por todos ao médium de Pedro Leopoldo. Ele não entendia tanta badalação. Qual a graça daquele senhor esquisito?
De repente, uma mulher pediu um autógrafo ao homenageado. Chico disse em voz alta:
Só se o Celso me emprestar uma caneta.
Celso de Almeida Afonso, o rapaz mal humorado, estava por perto e teve uma reação inusitada: agarrou aquele quarentão estranho, beijou seu rosto e, aos prantos, prometeu:
- Nesta encarnação vou me comparar a um dedo do pé do senhor.
Chico se encolheu e disse:
- Sou apenas cascalho que serve para machucar os pés de quem passa por mim. Você é luz.
Em seguida, avisou a Waldo Vieira:
- Celso é médium e vai trabalhar conosco em Uberaba.
Ele previa mudanças na própria vida. E já se preparava para elas.
Emmanuel também parecia estar bem informado sobre o futuro próximo. Em 1957, Chico ouviu o aviso: André Luiz ditaria um novo livro, o sexagésimo. Parecia tão ansioso quanto Chico para concluir logo a tarefa. Tão apressado que convidou Waldo Vieira a dividir o serviço com o autor do Parnaso de Além-Túmulo. Por quê? A resposta, segundo Emmanuel, viria no ano seguinte. Por enquanto, os dois deveriam apenas escrever.
A dobradinha espírita mais pródiga do espiritismo no Brasil começou com Evolução em Dois Mundos. O método de trabalho da dupla era insólito. Waldo Vieira, um jovem de 27 anos, recém formado em medicina e odontologia, enviava de Uberaba para Pedro Leopoldo, aos cuidados de Chico, 47 anos e curso primário incompleto, os capítulos ímpares do livro um resumo da história da alma humana repleto de termos médicos. Chico dava seqüência ao texto com os capítulos pares. A fusão dos artigos era surpreendente. Impossível afirmar quem escreveu qual parte. Em julho de 1958, o livro número sessenta já estava no prelo.
Chico comemorou. A maratona literária tinha terminado.
Mas a alegria durou pouco até Emmanuel comunicar:
- Os mentores da Vida Maior, perante os quais devo também estar disciplinado, me advertiram que nos cabe chegar ao limite de cem livros.
Assim já era demais. Chico estava exausto e chegou a desabafar com um amigo:
- Na próxima encarnação não quero saber de livros nem de imprensa. Quero nascer num lugar onde só haja analfabetos.
Pouco tempo depois, sonharia:
- Nas encarnações do futuro, quero ter uns trinta filhos...
O pior é que Chico escrevia e ainda levava desaforo pra casa. Evolução em Dois Mundos chegou às livrarias em meio a críticas. Médicos escreveram a Chico para protestar contra a complexidade do texto "pseudocientífico ". Por que eles não eram capazes de entender? Qual o sentido de páginas tão inacessíveis?
O livro, denso, quase inalcançável, contrariava a linha popular defendida poucos anos depois por Chico: as mensagens deveriam ser entendidas pelos "espíritas mais humildes ". Chico temia o elitismo e repetiria aos intelectuais da doutrina:
- O espiritismo veio para o povo e para com o povo dialogar.
O "povo ", desta vez, ficaria de fora. "Hausto corpuscular de Deus ",  "corpúsculo base ",  "fluido elementa " as expressões eram complicadas demais.
Mas o livro chegou na hora exata. Em julho de 1958, palavras escandalosas atingiam Chico Xavier em cheio. Seu sobrinho, Amauri Pena Xavier, de 25 anos, que morava em Sabará, apareceu na redação do jornal Diário de Minas "para desabafar ".
Precisava se livrar de um peso na consciência: há muitos anos escrevia poemas, atribuía a obra ao espírito de Castro Alves e dizia ter sido escolhido pela espiritualidade para divulgar na Terra um novo Lusíadas. Pois bem: era tudo mentira.
Aquilo que tenho escrito foi Criado pela minha própria imaginação, sem interferência do outro mundo ou de qualquer outro fenômeno miraculoso. Assim como tio Chico, tenho enorme facilidade para fazer versos, imitando qualquer estilo de grandes autores. Como ele, descobri isso muito cedo. Tio Chico é inteligente, lê muito e, com ou sem auxílio do outro mundo, vai continuar escrevendo seus versos e seus livros.
Os espíritas próximos a Amauri levaram um susto. O rapaz prometia. Escrevia num caderno, desde criança, poemas impressionantes. Seu trabalho foi acompanhado de perto, durante muito tempo, pelo professor Rubens Costa Romanelli, um dos fundadores da União da Juventude Espiritual de Minas Gerais, secretário do jornal O Espírita Mineiro.
Espíritas experientes ficavam surpresos com o poema épico intitulado Os Cruzílidas.
Os versos, escritos por Amauri e assinados por Camões, contavam a história espiritual do descobrimento do Brasil, a epopéia no outro mundo durante o descobrimento do país. Cabral teria sido acompanhado de perto pelos espíritos.
Amauri exibiu as oitavas lusitanas aos jornalistas, renegou os espíritos, atribuiu a autoria dos versos a si mesmo e levantou novas suspeitas contra o tio. A imprensa ignorou a qualidade de seus textos e explorou ao máximo a chance de transformar Chico Xavier em escândalo.

CONTINUA AMANHÃ

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