terça-feira, 3 de agosto de 2010

O LIVRO DOS ESPIRITOS

CAPÍTULO VIII

EMANCIPAÇÃO DA ALMA


Centésima Sexcentésima Quinta Parte.

RESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO, DO ÊXTASE E DA SEGUNDA VISTA.

No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo, não há mais, por assim dizer, que a vida orgânica, e sente-se que a alma não se prende a ele senão por um fio que um esforço a mais faria romper para sempre.

Nesse estado, todos os pensamentos terrestres desaparecem paras dar lugar ao sentimento purificado que é a essência mesma de nosso ser imaterial. Inteiramente nessa contemplação sublime, o extático não considera a vida senão uma paragem momentânea. Para ele, os bens e os males, os prazeres grosseiros e as misérias deste mundo não são mais que os incidentes fúteis de uma viagem da qual está feliz de ver o termo.

Os extáticos são como os sonâmbulos: sua lucidez pode ser mais ou menos perfeita, e seu próprio Espírito, segundo sejam mais ou menos elevados, também está mais ou menos apto a conhecer e a compreender as coisas, Há, algumas vezes, neles, mais de exaltação que de verdadeira lucidez, ou, melhor dizendo, sua exaltação prejudica sua lucidez; é por isso que suas revelações são, freqüentemente, uma mistura de verdades e de erros, de coisas sublimes e de coisas absurdas ou mesmo ridículas. Os Espíritos inferiores aproveitam-se, freqüentemente, dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza quando não se sabe reprimi-la, para dominar o extático, e com esse efeito cobrem seus olhos de aparência que o entretêm nas idéias ou preconceitos da vigília.
É isso um escolho, mas não são todos assim; cabe a nós julgar friamente e pesar suas revelações na balança da razão.

A emancipação da alma se manifesta algumas vezes no estado de vigília e produz o fenômeno designado sob o nome de segunda vista que dá àqueles que dele são dotados a faculdade de ver, de ouvir e de sentir além dos limites dos nossos sentidos. Eles percebem as coisas ausentes, por todas as partes onde a alma estende sua ação; as vêem, por assim dizer, através da vista ordinária e como por uma espécie de miragem.

No momento que se produz o fenômeno da segunda vista, o estado físico está sensivelmente modificado; o olho tem alguma coisa de vago; ele olha sem ver. Toda a fisionomia reflete uma espécie de exaltação. Constata-se que os órgãos da vista são estranhos àquilo que a visão persiste, malgrado a oclusão dos olhos.

Esta faculdade parece, àqueles que a possuem, natural como a de ver; é para eles um atributo de seu ser, que não lhes parece excepcional. O esquecimento segue, o mais freqüentemente, essa lucidez passageira da qual a lembrança, cada vez mais vaga, desaparece como a de um sonho.

O poder da segunda vista varia desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes e ausentes. No estado rudimentar, ela dá, a certas pessoas, o tato, a perspicácia, uma espécie de segurança de seus atos, que se pode chamar a precisão do golpe de vista moral.

Mais desenvolvida, ela desperta os pressentimentos. Mais desenvolvida ainda mostra os acontecimentos ocorridos ou em vias de ocorrer.

O sonambulismo, natural ou artificial, o êxtase e a segunda vista não são mais que variedades ou modificações de uma mesma causa. Esses fenômenos, da mesma forma que os sonhos, estão na Natureza e, por isso, existiram em todos os tempos; a história nos mostra que eles foram conhecidos, e mesmo explorados, desde a mais alta antiguidade, e encontra-se neles a explicação de uma multidão de fastos que os preconceitos fizeram considerar sobrenaturais.

(CONTINUA AMANHÃ)

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